Segunda-feira, 3 de Abril de 2006

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O rio não está á</a></a></a></a></a></a></a></a></a> porta... disses-te isto quando te despedis-te,  costumavas faze-lo de uma forma mistica. Que significa o rio não está á</a></a></a></a></a></a></a></a></a> porta? talvez que ele não esteja do lado de fora, que ele esteja dentro de ti e seja a alma do teu corpo. Vais viagar até ao outro lado da cidade, o comboio é lento e cada movimento da vida, cada processo de descoberta e de entrega é no entanto o vazio onde é possivel depositar a surpresa.Vais ficar uns dias com a tua familia, vais tentar o começo, não vai ser propriamente um nascimento, nem o refazer da tua vida, não vai ser preciso saldares contas. O instante é precioso. Antes de ires apertas a minha mão. Quando eras criança olhavas para as mãos dos velhos e fingias que vias os bichos da seda, que a terra era um bicho da seda sujo, a terra que esfregavas na cara. A tua mãe passa horas a fazer bolos, uma boa dona de casa sabe fazer bolos, o teu pai reformou-se da advocacia, gosta de fumar charutos e costumava humilhar a tua mãe á</a></a></a></a></a></a></a></a></a> frente dos convidados. O teu pai foi o predador da tua mãe, o teu pai queria que tu tivesses ido para a faculdade de direito e tu seguiste antropologia. O teu pai nunca deu valor a coisas doces, sempre se iludiu com riquezas fugazes.  Tu costumavas ficar sentada a ver a tua mãe a cozinhar, achavas engraçado quando ela se punha a contar os tostões, quando se punha a resmungar com os tachos e com as panelas. Tu não percebias como é que um cristão como o teu pai andava sempre a crucificar a tua mãe, a desvalorizar a sua comida e a comer o corpo dela á</a></a></a></a></a></a></a></a></a> noite, a limpar-se ao corpo dela como a limpar-se aos guardanapos depois de comer lagosta ou carne de porco.  O teu pai agora está doente e a tua mãe está sempre com ele, não está com as injustiças dele, com a prepotencia dele. A tua mãe não é vitima de coisa nenhuma. A tua mãe, tu, eu, as pessoas, os pássaros, os cães, nós somos atingidosporque estamos no meio. A tua mãe no meio do teu pai e ele no meio de uma solidão. Não quero chamar o teu pai de monstro, o teu paié o seu próprio monstro. Já o viste doce, não aconteceu sempre mas já aconteceu que o teu olhar o tocou. Ele falava de ti com orgulho, tu eras uma pedra preciosa, é certo que tudo se baseava no estatuto, na posição social. Tu já te perguntas-te sobre a posição social dos bichos da seda. Quando passeavas no jardim com ele e ele te dizia para não mexeres em porcarias. Agora se voltasses lá descobrias que é ele, que és tu, que somos nós que fazemos porcaria, que somos o estrume, o fogo que ora aquece ou que ora queima. Vais partir, estás sempre de partida, encontras-te contigo sem regresso. Quando faziamos amor, no nosso amor estavam subjacentes as guerras, as invejas mesquinhas, a gota transparente e a nodoa. O nosso conflito é a motivação para ultrapassar a morte, para o sentido da vida. Na tua viagem vais recomeçar leituras antigas, talvez encontres alguem que se pareça a um dos personagens, talvez lhe perguntes as horas, cada um pode ser a tua voz interior. Na tua viagem não leves na bagagem mais peso, ou leva o peso necessário. O peso e a levesa deste cotidiano, os encontros que o desejo exige serem de uma perfeição rigida quando tu ficas na imperfeição, no deixar ir, voas quando não tens a intenção, os outros chegam a ti e tu sentes o poder que faz funcionar o desinteresse. Se for possivel guardar todos os momentos da tua vida, mesmo os mais dolorosos numa caixa de bonbons, se a tempestade tiver o sabor do chocolate, um sabor amargo doce, o caos que irá inspirar o teu paraiso vai fazer com que o andar no arame não seja assim tão fatal, assim uma coisa tão tragica. Quanto  mais a vida for apróximada ao teatro, quanto mais a dor cair sobre ti e o prazer cair na mesma proporção mais depressa conseguirás o caminho do meio. Quando estiveres com o teu pai pega-lhe na mão e sopra-lhe até ele não reconhecer o monstro. O teu pai é uma flor com dentes. O teu pai, a tua mãe, os que trabalham, os que se espreguiçam, todos nós somos aprendizes, todos ensinamos algo, damos sentido a algo, acreditamos nem que seja por breves instantes numa verdade absoluta. O rio não está á porta, tu entras-te no comboio, abriste uma garrafa de champanhe ou fui eu que tenho uma imaginação muito fertil, que me ponho a inventar histórias romanticas, a olhar o céu e a ver chover champanhe.

 

lobo 06

publicado por relogiodesacertado às 21:47
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