Sexta-feira, 4 de Novembro de 2005

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Gostava de voltar a ver-te nua. Quando estavas nessa natureza pensava no título daquele quadro; nu descendo as escadas. A beleza que está implícita na pele, a sensualidade do corpo, a beleza do poema, da música, da pintura é de que nós sentimos que respira, sentimos que não pesa. Tocar o nu é iluminar, é acender com o gesto das mãos sem sujar, sem fazer sangrar. Gostava de voltar a ver-te nua. Quando estavas nessa natureza olhava o cão ladrando á lua e passava pela rua observando o pequeno catalão, o poeta, o pintor, aquele que representa a criança de todos nós, a fantasia elevada ao poder de exterminar a rotina, de exterminar o medo. Voltar a sonhar, a sentir o prazer da lama sujando as mãos, as cores, as formas, vidros, papeis, cartão, pôr as palavras ao contrário, fazer os peixes respirar a tinta, manusear o plástico da tinta das casas. Dançar com as figuras que flutuam nos muros, no chão, as figuras que representam estrelas e olhos. Voltar a ver-te nua e ter ainda aquela imagem do nu descendo as escadas. Seguir em viagem até ao estúdio onde o velho pintor recorta coloridos papeis, onde os molha no chá. Ele desenha nuvens com o fumo do cachimbo. Ele não tem fé religiosa, mas tem a fé que o faz pintar aquela capela com aquela virgem, com aqueles santos, com aquela luz como se aqueles raios de sol fossem os dedos dele desenhando, dando expressão a uma liturgia reafirmada de humanismo.
Na minha ilha terei malmequeres, olharei as mulheres e o amigo do louco pintor selvagem a repousar com a criança índia, a comer o fruto e a beber a água sem esforço de trabalho, apenas recebendo a oferta da inspiração que é energia que sobe da terra aos poros.
Voltar a ver-te nua, fingir que os meus braços são serpentes, enrolar-te como quem se despede para empreender uma longa viagem.
Olho a pirâmide, a caligrafia, a forma da pedra, do animal. O monstro engolindo letras e pautas, a cria rebolando-se com os ritmos, apanhando o eco das gargalhadas do primeiro momento da existência. Tomas comigo o doce licor. O carvão faz andar o comboio, tu completamente nua posas para que o rio te faça o retrato. Os olhos dos homens fizeram mil formas, mil modos de olhar, de transformar, de iludir em dozes narrativas de cinema a paixão.
Voltar a ver-te nua, mostrar-te o bar, o teatro, o circo, andar pela ilha em conversa com o louco, prometer-lhe Deus no dia da morte. Olha aqueles pintores te segurando as mãos, te levando á lua, te coroando. Uns te dão pedras, outros flores, uns te oferecem impérios e tu escolhes aquele que fica com as ilusões do que é, do que tem, do que acredita.
publicado por relogiodesacertado às 21:25
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