Levantei-me cedo, não tenho ninguem á espera e talvez haja alguém vestido de frio a dar-me noticias. Não queria contar uma história triste mas sinto-me perdido e pouco inspirado ao riso, se eu fosse verdadeiramente louco e se as palavras andassem descontroladas dentro da minha alma talvez eu voltasse a ser na essencia o poeta que fui , o animal, ou a terra povoada de vegetação e cor. Mas agora sinto que me falta algo, senti que durante a minha ultima viagem tinha encontrado uma parte da resposta e que as duvidas me satisfaziam em parte. Agora olho da janela a normalidade cotidiana, o dinheiro a circular nas mãos dos que curam ,dos que adoecem, dos que limpam sujam e falsificam. A vida normal , o trabalho, os filhos, a familia, a politica, a maquina que para no momento da morte. Quando falta inspiração parece acontecer mais forte essa carga de solidão que nos deixa longe dos homens e dos livros e quando a natureza toma conta de nós parece que nos estamos a despedir. Agora tenho pintado e desenhado um pouco, tenho sentido falta das palavras e dos afectos , o tempo não nos beija a boca, nem escuta o nosso coração, é preciso atravessar o muro, é preciso descobrir que o muro não existe, que suporto a dor que acredito. Tu olhas-me devagar o teu modo de olhar é o silencio dos teus olhos andando em mim. Nós conversamos sobre a felicidade, a nossa felicidade, a nossa solidão, a nossa necessidade de razão parece acompanhada de um egoismo legitimo. A entrega aos outros, a água que se entrega á nossa sede e o pão que se entrega á nossa fome. Podia tentar mas não consigo ser indiferente, preocupar-me com as flores que estão a murchar e com as pedras que já não sentem a respiração dos sedentários e dos nómadas. Olho-te e vejo-te a dançar, o teu corpo desenha no chão a forma possivel do vento. Tens olhos grandes e profundos, quando te penso triste consigo descobrir mais coisas sobre ti. se nós os dois estivessemos comprometidos em amor e em paixão não te trocaria por uma embriaguês. Tu estás a fazer as malas, compras-te uma garrafa de vinho do porto, esse vinho tem frutos incorporados, o amor deve ter frutos incorporados. Agora tenho-me sentido muito só, comecei a ler um romance, imaginar um romance que falasse de mim, que me despisse como se eu levasse o testemunho da minha vida na palma da mão e deitasse tudo sobre a terra num modo como se despejasse água sobre os teus pés. Tenho frio, quando tenho frio lembro-me do louco pintor Holandes, em muitas coisas a nossa vida é parecida a minha talvez um pouco mais arrumada. Gostaria de ser a flor que recebe a luz do sol ou de ser o caminhante sem me preocupar com o pão nosso de cada dia, que houvesse uma árvore para me alimentar e uma sombra para me acolher e que o trabalho fosse demorado como as estações e houvesse um grande amor, que o salário do trabalho fosse o amor e que depois eu partisse sem precisar de responder ás tuas perguntas inconvenientes á minha liberdade. A natureza põe a mão sobre a minha cabeça como uma mãe, mas também é impiedosa como a água que deixa sedenta a terra, crescemos na dor que torna a nossa arte e qualquer oficio o mais simples e o mais aproximado á perfeita comunicação e entendimento do ser. Abre a boca! a do mundo é grande e o que vemos e cheiramos dá vontade de não querer ver. Andas louca á procura de trabalho, tens formação musical, foste professora numa velha escola publica, hoje tem chuva e ratos velhos. Tens cinquenta e dois anos anos, outro dia disseram-te que as tuas mãos estavam velhas e tu tives-te vontade de dizer que as tuas mãos ainda eram capazes de satisfazer um homem, que ainda podias tocar a sinfonia que fizesse andar o mundo. Gosto da tua pele e dos teus olhos escuros, sobre ti muitos poemas devem ter sido escritos, a vida é um romance anónimo ou o amor é um romance de anónimos. Mas o que é o amor?! podiamos perguntar isto á cobra que rasteja ou ao homem que não sabe de sua existencia e condição esse ser desencontrado da mente e da alma e a resposta seria um profundo e implacavel silencio. Tu continuas áprocura de trabalho, aos domingos tocas no velho piano da igreja, a musica que ele respira é a tua fé. Agora sei como se chama o teu Deus e sei porque te entregas a ele de todo o coração. Estás agora numa velha pensão, juntas-te algum dinheiro do tempo em que ensinavas na tal escola velha da chuva e dos ratos. Quando estás sózinha naquele sentido em que pouca coisa tem sentido te pões a chorar e quanto mais bebes mais choras.
Tão devagar
que parece um fio de mar na garganta e o rio que escreve a palavra na
solidão de quem canta.
Um fado que nos magoa
mas que sentimos prazer
desta lisboa que é luz depois de acontecer
Este silencio da rua
que é lágrima que o povo chora
quando faz falta a saudade, quando a saudade demora.
lobo 06
Carregas no corpo todas as canções
um dia voltarás á terra no modo simples
de quem regressa á primeira condição.
carregas no corpo todas as canções
dentro de ti corre a transparente água
e um dia voltarás ao estado ausente das palavras.
Carregas no corpo todas as canções
e eu olho os teus olhos
depois adormeço
numa viagem de regresso á margem
das palavras com água.
lobo 06
Tira os olhos de cima
se fosses um pássaro admitia esse voo
mas não és assim
e aquilo que fores não vai mudar
a mecanica das flores
e dos rios.
é por causa de ti
que há uma mecanica
a mecanica que começa na tua vida
e acaba com a tua vida.
Não me olhes de cima
não és um pássaro
para me vigiares a alma
por causa de ti
há uma mecanica...
a descobrir-te
e a matar-te.
. O gato que vê o frio dent...
. Os ratos na toca tem filo...
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. A morte da mulher do Dono...
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